Parte
2 – Podemos Saber o que os Manuscritos Originais dos Evangelhos
diziam?
Quando
nós abrimos uma Bíblia e procuramos pelos evangelhos, nós os
encontramos traduzidos para o português, ordenadamente ajuntados no
início do Novo Testamento, completos com nome do livro, número dos
capítulos e versículos, pontuação, parágrafos e hoje em dia,
normalmente com título nos capítulos e notas de referência. Nada
disso estava presente nos manuscritos originais dos escritos que
conhecemos como Mateus, Marcos, Lucas e João (sim, mesmo a pontuação
não estava presente nos documentos originais). O que encontramos em
nossas Bíblias é o resultado do processo de preservação, tradução
e publicação. Faz sentido perguntarmos se o que lemos carrega
qualquer semelhança com o que os autores dos evangelhos redigiram
quase 2000 anos atrás. Podemos saber o que os manuscritos originais
dos evangelhos diziam?
Não
é incomum atualmente para algumas pessoas responderem “não”
para essa pergunta, apesar de quase inevitavelmente, esses céticos
não terem a menor ideia do que estão falando. Os críticos do
cristianismo muita vezes alegam que os evangelhos como os conhecemos
carregam pouca semelhança com os originais. Esse criticismo aparece
nos lábios de Sir Leigh Teabing, um historiador fictício em O
Código Da Vinci, de Dan Brown. Teabing "revela" a verdade
sobre Jesus e o cristianismo primitivo para Sophie, uma ingênua e
disposta aprendiz no romance e seu “aprendizado” também reflete
o aprendizado dos leitores. Dessa forma tipicamente condescendente,
Teabing começa a iluminar Sophie sobre a verdadeira natureza da
seguinte forma:
"A Bíblia é um produto do homem, minha querida. Não de Deus. A Bíblia não caiu magicamente das nuvens. Os homens criaram registros históricos de tempos agitados e ela evoluiu através de inúmeras traduções, adições e revisões. A história nunca teve uma versão definitiva do livro." (p. 231)
É
claro que existe uma medida de verdade aqui e isso é normalmente o
caso com as revelações de Teabing, mas apenas até certo ponto. A
Bíblia é realmente um produto humano, mas isso não implica de
forma alguma que também não seja “de Deus”. E ela não caiu das
nuvens. Mas, ao contrário do que diz Teabing, a Bíblia não
“evoluiu através de várias traduções, adições e revisões.
Ela foi na verdade traduzida para mais de 2000 idiomas – muito mais
do que qualquer outro livro – e tem sido lançada com uma miríade
de adições. Mas essas traduções e adições são todas baseadas
nos mesmos documentos básicos antigos, como eu vou mostrar em
seguida. A parte “evoluiu através de inúmeras traduções” é
ficção.
Os
evangelhos originais foram escrito em algum momento na segunda metade
do primeiro século d.C. (Eu vou falar mais sobre as datações dos
evangelhos mais tarde nessa série) Muito provavelmente foram
escritos em rolos ou papiro (um material áspero parecido com papel).
Mas é altamente improvável que qualquer um desses originais
(conhecidos pelo termo técnico “autógrafos”) ainda existam
hoje. Eles provavelmente foram gastos pelo uso, perdidos, destruídos,
reusados ou mesmo comido por animais.
Ainda
assim os antigos tinham uma maneira de preservar a informação
contida nesses rolos: cópias. Escribas treinados copiavam as
palavras de um documento para um novo documento. O treinamento que
recebia os ensinava a minimizar os erros e maximizar precisão. Ainda
assim, esse não era um trabalho servil, porque havia momentos em que
os escribas faziam alterações em suas cópias (por exemplo, quando
eles acreditavam que suas fontes continham um erro). Mesmo os
melhores escribas, no entanto, cometiam erros não intencionais.
Portanto,
o fato que os manuscritos dos evangelhos não sobreviveram até os
dias de hoje, combinado com o fato que por séculos o texto foi
transmitido através de um processo de cópias, pode levar uma pessoa
a questionar se podemos confiar que o texto em grego dos evangelhos
que temos hoje se parecem de alguma forma com aquilo que os autores
originalmente escreveram.
A
resposta para essa pergunta é um entusiástico “sim”. Apesar de
não podermos ter completa e absoluta certeza que cada palavra nos
manuscritos gregos que temos reproduzem com precisão o que foi
originalmente escrito, podemos ter confiança que estamos muito perto
disso na maioria dos casos. Deixe-me explicar.
Primeiro,
temos bem mais do que 2000 manuscritos gregos dos evangelhos (e
outras traduções antigas como latim). Comparado com outros escritos
antigos, isso é uma verdadeira riqueza de material. Os estudiosos
dos clássicos são muitas vezes forçados a confiar em um punhado de
manuscritos de textos antigos, enquanto os estudiosos dos Novo
Testamento são sobrecarregados com material primário.
Segundo,
muito dos manuscritos dos evangelhos são bem antigos e portanto
confiáveis. Temos alguns fragmentos de papiros e documentos dos
evangelhos que datam do segundo século d.C., com mais do terceiro
século. Manuscritos inteiros dos evangelhos e do resto do Novo
Testamento podem ser datados do quarto e quinto séculos. Bem, isso
pode parecer como um espaço significativo de tempo entre a escrita
dos evangelhos e os manuscritos que temos, mas em comparação com
outros escritos gregos antigos, os documentos do Novo Testamento
estão em um nível totalmente diferente. Por exemplo, os manuscritos
mais antigos que temos de Heródoto (século 5 a.C. Historiador
grego), Platão (século 4 a.C. Filósofo grego) e Josefo (século 1
d.C. Historiador judeu) são no mínimo mil anos mais recentes que os
escritos originais.
Terceiro,
apesar do processo de copiar documentos antigos não ser infalível,
como eu expliquei acima, ele era na verdade bastante confiável. Mais
ainda, como os acadêmicos contemporâneos entendem esse processo e
como temos muitos textos do Novo Testamento, os estudiosos são
capazes de identificar erros dos escribas e mudanças com um grande
nível de probabilidade.
Quarto,
a disciplina da crítica textual – pela qual os especialistas
procuram identificar a forma mais antiga do texto – é a mais
objetiva das disciplinas do Novo Testamento e portanto oferece os
resultados mais corretos. Apesar de alguns acadêmicos da crítica
textual discordarem sobre algumas passagens, a quantidade de
concordância entre os diversos críticos é excepcional, diferente
do que se encontra em outras disciplinas do Novo Testamento, como
exegese, por exemplo. Isso não necessariamente significa que sempre
chegamos aos autógrafos originais, mas significa que podemos ter uma
nível altíssimo de confiança nas descobertas da crítica textual.
Quinto,
apesar de existirem alguns versículos nos evangelhos (menos de 3%)
nos quais algumas palavras podem ainda serem incertas, a grande
maioria dos versículos nos nosso textos críticos refletem os
escritos originais ou algo muito próximo disso. Ademais, as palavras
questionadas são quase sempre triviais. A única exceção que eu me
lembro é o final do evangelho de Marcos, que não temos certeza
sobre a originalidade de tudo depois de Marcos 16:8. A maioria das
traduções coloca os versículos posteriores entre colchetes. Essa
passagem é aquela na qual Jesus promete que seus discípulos falarão
em línguas e serão imunes à cobras peçonhentas ou venenos
mortais. Um bom número dos Cristãos Apalachianos literalmente
arriscam suas vidas em uma passagem que talvez não seja parte do
evangelho de Marcos original. Se você não for do tipo que gosta de
lidar com cobras no entanto, você não precisa se preocupar com a
autenticidade dessa passagem.
Tudo
isso quer dizer que quando você lê os evangelhos do Novo
Testamento, está quase que certamente recebendo as palavras do autor
original (na tradução, claro, a não ser que você leia grego).
Podemos saber o que os manuscritos originais dos evangelhos realmente
diziam? Sim, com um nível muito alto de confiança. Isso não
garante a veracidade por parte dos autores do evangelhos, é claro.
Eu vou começar a abordar esse tópico no meu próximo texto.
Parte
3 – Quando os Evangelhos do Novo Testamento Foram Escritos? (em breve)
Copyright
© 2005 by Mark D. Roberts
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