Nos meus áureos
tempos de Jocum, eu encontrava missionários que se
especializavam em evangelizar um tipo específico de pessoa. Eu
nunca desenvolvi muito bem isso, meu trabalho por lá era ou
com teatro ou como interprete das equipes que vinham de fora. Depois
passou para atendimento à saúde. Só quando uma
ou outra testemunha de Jeová incauta era encontrada dando sopa
por aí que me era dado o privilégio de focar nesse tipo
de evangelismo. Mas isso era raro comigo, mas muito comuns entre
outros.
Tínhamos
especialistas em evangelizar cowboys, prostitutas, moradores de rua,
chineses e muitos outros grupos. Eu conheci uma moça que se
focava em ministério com judeus. Ela tinha passado um tempo em
uma base nos Estados Unidos, acho que em Montana, sei lá e
comprou a visão da base de evangelizar judeus. Apesar de achar
que parte do foco desse ministério que ela estava propagando
tinha um pouco do movimento judaizante da igreja, até um certo
ponto eu era simpático à idéia por ser
descendente de judeus, apesar de nunca ter praticado o judaísmo
(com uma ou outra tradição familiar que vem mais dos
marranos do que do judaísmo em si). Como eu sabia que ela
gostava de evangelizar judeus, resolvi emprestar um livro que tenho
intitulado “Um rabino conversa com Jesus”, de Jacob Neusner. Ela
ficou feliz quando pegou o livro emprestado. Infelizmente, essa
felicidade se transformou em indignação quando ela me devolveu
alguns dias depois.
A minha colega
missionária ficou muito brava comigo porque eu emprestei um
livro não cristão que defendia o judaísmo em
detrimento ao cristianismo. Ela achava que o autor era um tipo de
judeu messiânico. Ela nem mesmo terminou de ler o livro.
Eu fiquei surpreso com
essa reação e perguntei por que ela não não
terminou de ler? Se ela planejava trabalhar com o evangelismo de
judeus, achei que esse livro ajudaria muito a entender como um rabino
pensa em relação ao cristianismo, ajudaria a entender
os argumentos que eles apresentam para não aceitar Jesus
Cristo como o Messias prometido. Essa é a premissa desse
livro. Um rabino analisa o Sermão da Montanha pelos olhos do
judaísmo e mostra quais pontos discorda e o porque. É
uma ótima forma de ver a opinião de alguém que
está “do outro lado”, por assim dizer.
Mas nem todo mundo
achou a idéia interessante. Minha colega disse que ela não
lia textos de outras religiões, apenas textos escritos por
cristãos sobre outras religiões. Ela jamais leria um
texto de um rabino que criticasse o cristianismo porque tinha medo
que isso pudesse trazer algum tipo de dúvida sobre a
veracidade da nossa fé. Estupefato, eu me desculpei pelo
engano e nunca mais voltei no assunto.
Hoje, uns bons anos
depois, me peguei lembrando dessa história e como isso nunca
fez sentido para mim. Eu sempre li livros de outras religiões.
Tenho vários deles em casa. Tenho uma boa biblioteca com os
livros da Torre de Vigia, alguns raros e já li todos. Tenho
livro de ateus, como Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Tenho
uma Bíblia católica, o Livro de Mórmon, mais
alguns livros dos presidentes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos do
Últimos dias. Tenho o Alcorão e livros de diversas
religiões espalhados pela casa. Eu sempre entendi que, se eu
tenho interesse em pregar o evangelho para essas pessoas, eu preciso
não somente entender quais são as crenças desses
grupos mas também devo entender um pouco mais da forma como
eles entendem o mundo e como apresentam os seus argumentos. Mais
ainda, eu acredito que devo dar a chance para que a pessoa apresente
o seu caso, apresente os seus argumentos. Preferencialmente, sem a
sanitarização que acontece quando lemos sobre outras
religiões em livros cristãos sobre essas religiões.
Não me entendam
mal. Eu amo livros sobre apologética, especialmente esses mais
práticos sobre religiões. Tenho duas dúzias
deles, pelo menos. Além de vários artigos e textos nos
computadores. Aprendi muito sobre essas religiões através
desses livros, assim como muito sobre nossa própria fé,
mas ainda assim, esses livros apresentam um ambiente estéril e
seguro para o cristão aprender. Infelizmente, quando passamos
para a conversa no um a um, a coisa é diferente. E por não
estarmos expostos realmente aos verdadeiros argumentos apresentado
por membros de outros religiões, dificilmente conseguiremos
apresentar o cristianismo bíblico como verdade. Eu conheço
muita gente que já leu muito sobre as testemunhas de Jeová,
mas dificilmente conseguiriam se manter firme em uma conversa se
encontrasse com alguma, pois só está acostumada com o
ambiente seguro e protegido dos livros cristãos.
Eu sei que essa prática
de ler livros e outras religiões não é para
todos, mas acredito que pelo menos dar a oportunidade para que outras
pessoas apresentem seus argumentos seja para todos, especialmente
para aqueles que desejam focar em um grupo específico para
evangelizar.
Mas o grande problema
nessa questão toda me parece estar relacionado ao quão
pouco nós cristãos conhecemos da nossa própria
fé. Poucos de nós tem uma bagagem teológica bem
fundamentada e robusta que permite que sejamos expostos à
outras visões de mundo. Quando a igreja evangélica
abandonou o ensino da Bíblia de forma expositiva, quando ela
demonizou e desprezou o ensino das doutrinas substituindo-a por uma
abordagem focada em sentimentalismo, ela fez com que seu membros
passassem a ter medo de serem expostos ao mundo exterior. Até
mesmo entre missionários! Quantos deles mesmo na Jocum só
participavam de eventos junto a outros cristãos? Alguns
passavam semanas sem encontrar um não cristão para
conversar. E só o faziam quando estavam em superioridade
numérica.
Quando o mundo vê
tantos cristãos expondo uma fé sem fundamentos, eles
passam a achar que não existe fundamento para a nossa fé.
O pior é que muitos de nós cremos nisso.
Como podemos cumprir a
grande comissão se ficarmos hermeticamente fechados em nossas
comunidades? Como poderemos ser sal da terra e luz do mundo se temos
medo de conversar com as outras pessoas? Será que não é
momento de voltarmos para um cristianismo que envolva também a
mente no processo de adoração?
Uma característica
marcante entre as religiões falsas é exatamente essa
proibição de se ler publicações que sejam
contrárias à fé esposada. As testemunhas de
Jeová são famosas por isso. Dificilmente lêem
livros de autores que atacam a Torre de Vigia e suas crenças.
O perigo é quando nós também agimos assim.
Agimos com medo de algo que não devemos ter medo.
É por isso que a
teologia, a apologética e o evangelismo precisam ser ensinados
na nossa igreja. A teologia nos permite conhecer a nossa fé,
conhecer seus fundamentos e suas implicações. A
apologética nos permite aprender a defendê-la e
compará-la com outras religiões e o evangelismo nos
permite apresentar essa fé para o mundo. Esse tríplice
fundamento precisa estar disponível para todo cristão
em todas as igrejas. Sempre teremos aqueles que irão brilhar
nessa área, graças aos dons que o Espírito Santo
dá a cada um de nós, mas pelo menos o básico
precisa estar disponível para todos.
O cristianismo bíblico
não se apresenta hermeticamente fechado dentro de uma
comunidade estéril e segura, aguardando que as pessoas caiam
de para-quedas em nosso colo. Ele é uma fé racional,
histórica, que representa o mundo como ele realmente é,
que pode competir no mercado de idéia com a robustez dos
grandes teólogos e filósofos que contribuíram
com o seu ensino por dois mil anos e tem por fundamento a revelação
especial daquele que criou todo o universo.
Do que temos medo?
Enquanto tivermos medo
de engajar nossa mente no processo de adoração à
Deus e da pregação do evangelho, medo de estarmos
prontos para seguir 1 Pedro 3:15, medo do mundo e acharmos que nosso
lugar é fechado dentro de uma Tupperware, continuaremos a
alimentar no mundo a ilusão de uma fé cega. E milhões
caminham para o inferno com essa ilusão.
Não tenha medo.
Estude, aprenda, se prepare. Seja um bom embaixador de Cristo,
apresentando o cristianismo de forma elegante, amigável e
atrativa. Só depende de nós.
Só depende de
você.
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