Eu estou
brincando com o nome do título porque este não tem nada a ver com o assunto da
postagem. Mas a citação bíblica que deu origem ao texto foi realmente
inesperada, mas não surpreendente. Enfim, eu acho que só quis usar esse titulo
por causa da estreia de O Hobbit. Na minha página do Facebook finalmente
colocamos as fotos de nossa viagem para Hobbiton, em Matamata, na Nova
Zelândia. Foi muito legal. Mas não estou escrevendo sobre O Hobbit.
Sábado
passado a Vivian e eu fomos a uma festa de aniversário. Eu nunca me senti muito
a vontade nesses eventos (especialmente quando somos praticamente obrigados a
ir), talvez por causa da minha herança de Testemunha de Jeová, talvez porque eu
ache que mesmo os aniversários cristãos são tão focados no aniversariante que
beira a própria adoração. Já deve fazer pelo menos uns quatro anos que eu não
faço nenhuma comemoração especial no meu aniversário. No máximo, usamos como
uma boa desculpa para ir ao Outback, para encontrar uma costela divina.
No
aniversário de ontem, foi um pastor neopentecostal bastante próximo da família
do aniversariante. Eu já o vi várias vezes (na verdade, eu o conheço desde a
minha adolescência) e como parte do evento, o pastor tomou a palavra. Ele agradeceu
a presença dos amigos, engrandeceu o esforço de todos estarem lá (especialmente
ele mesmo, já que no sábado estava chovendo muito) e fez duas citações, uma de
algum poeta que ele não se preocupou de esclarecer e outra, supostamente
bíblica, de acordo com o pastor, que ele também não se preocupou de dar a
referência. Eu não estava prestando muita atenção, mas a Vivian percebeu algo
errado. O dito pelo pastor foi o seguinte: “e a outra frase, essa bíblica, diz,
‘quem encontra um amigo, encontra um tesouro’”.
Na hora eu
não percebi nada de errado porque o pastor começou a orar e em suas súplicas
demandava que Deus estivesse presente na vida do aniversariante. Isso estava na
verdade me deixando um pouco mais irritado porque não temos como pedir por algo
que já temos. Deus é onipresente (Salmo 139:7-12), ou seja, ela já está em
todos os lugares, mas para o Cristão, já somos morada do Espírito Santo (1
Coríntios 3:16), já estamos na presença de Deus por causa de Jesus Cristo
(Hebreus 4:14-16). Ou seja, não faz sentido ficar pedindo a presença de Deus.
Eu acho que quando um evangélico clama pela presença de Deus, ou ele não
entende o que é estar na presença de Deus ou ele está pedindo outra coisa.
Talvez uma mistura de ambos. Mas isso é assunto pra outro post.
Assim que a
Vivian me chamou a atenção para o “texto bíblico”, começamos uma perseguição
para encontrar a referência. Santo 3G do smartphone! Procuramos aqui, procuramos
ali, nada de tal referencia. A festa terminou, e na volta pra casa a Vivian
continuou procurando pelo texto perdido (eu
estava dirigindo e a lei e o bom senso ditam que não se deve procurar por
textos bíblicos ou qualquer outro, ao volante de um carro). E ela encontrou a
referência. Para nossa surpresa, o texto realmente está na Bíblia. O texto
lê-se assim:
Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro.
O texto
pode ser encontrado na sua Bíblia no livro de Eclesiástico, capítulo 6,
versículo 14.
Você deve
estar se perguntando se eu não errei o nome do livro, pois o correto é
Eclesiastes. Não, eu não errei. É no livro de Eclesiástico, que fica logo depois
de Sabedoria e antes de Isaías. Pode procurar na sua Bíblia. Eu espero...
Encontrou?
Não? Eu encontrei. Mas na minha Bíblia das Edições Paulinas. Você pode
encontrar também na Bíblia Ave Maria. Se você estiver usando uma Bíblia comum,
logo após Cantares você terá Isaías. Mas a Igreja Católica, no Concílio de Trento,
entre 1545 e 1563, promulgou como canônicos vários livros que até aquela data
só haviam sido considerados por concílios menores e nunca foram incluídos na
lista de livros sagrados do judaísmo. Um dos principais motivos para inclusão
desses livros pela Igreja Católica é que alguma das praticas católicas podem
ser fundamentadas nessas passagens. Antes, apenas constavam com a autoridade
eclesiástica e com o magistério como fonte de autoridade. Engraçado que a
Igreja Católica não entende que as Escrituras sejam a única autoridade sobre a
revelação de Deus (o Sola Scriptura protestante), mas tem uma lista de “autoridades”,
como a tradição, o próprio Papa, mas ainda assim buscou colocar livros dentro
da Bíblia para legitimar suas crenças.
Portanto, o
querido pastor evangélico citou um texto de um livro deuterocanônico. Será que
ele sabia disso? Será que ele sabia que a citação estava no livro de
Eclesiástico? Se ele sabia disso, por que ele disse que estava na Bíblia? Será
que ele sabe que existe uma diferença no número de livros entre uma Bíblia
protestante e uma Bíblia Católica? Será que ele sabe que Eclesiástico é um
livro deuterocanônico? Será que ele sabe o que é um livro deuterocanônico? E se
sabe, será que ele os considera inspirado?
Todas essas
são boas perguntas a serem feitas em nosso próximo encontro com o pastor, o que
vai acontecer, já que as festas de aniversário em que ele está presente são
muitas ao longo do ano. Seria interessante ouvir suas respostas. Mas eu também
conheço a igreja onde ele se tornou pastor e sei que os pastores que são
formados lá não apresentam nenhum treinamento teológico ou mesmo bíblico e o
que os torna elegíveis para o pastorado são o carisma e a capacidade de
liderança. Bíblia e teologia são detalhes. Quando for pregar, pegue um texto
qualquer, de preferência motivacional ou moralizante e construa uma mensagem
com alguma chamada para ação ao final. É assim que funciona. É assim que as ovelhas
são alimentadas. Uma mensagem motivacional após a outra. Manejar bem a Palavra
não é um foco daquela igreja (2 Timóteo 2:15). Quando eu vejo esse cenário, me
pergunto se vale a pena questioná-lo sobre a citação deuterocanônica. Vai
depender do meu humor no nosso próximo encontro.
Quando os
ateus nos acusam de não conhecermos a Bíblia, muitas vezes eles estão certos.
Não conhecemos. A maioria dos cristãos nunca leu toda a Bíblia. Gente com 5,
10, 20 anos de cristianismo. A maioria conhece um punhado de textos batidos,
repetidos à exaustão, desprovidos de seu contexto, o que leva muitas vezes ao
uso e ao abuso. Uma boa maioria não sabe nem ao menos se um livro está no Velho
ou no Novo Testamento. Tem gente que acha que Maria Madalena foi uma prostituta
ou uma mulher adúltera. Todo tipo de mitologia e superstição se adiciona à
Bíblia pela falta de conhecimento daqueles que deveriam manejá-la bem.
Se esse já
é um sintoma preocupante entre os leigos, imagine o horror quanto se torna
sintomático entre pastores.
“Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus” (1 João 5:13).
Pena que o
povo não está lendo o que foi escrito. Pena que os pastores não estão lendo o
que foi escrito.
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