segunda-feira, dezembro 17, 2012

Uma festa inesperada (ou um versículo inesperado)



Eu estou brincando com o nome do título porque este não tem nada a ver com o assunto da postagem. Mas a citação bíblica que deu origem ao texto foi realmente inesperada, mas não surpreendente. Enfim, eu acho que só quis usar esse titulo por causa da estreia de O Hobbit. Na minha página do Facebook finalmente colocamos as fotos de nossa viagem para Hobbiton, em Matamata, na Nova Zelândia. Foi muito legal. Mas não estou escrevendo sobre O Hobbit.
Sábado passado a Vivian e eu fomos a uma festa de aniversário. Eu nunca me senti muito a vontade nesses eventos (especialmente quando somos praticamente obrigados a ir), talvez por causa da minha herança de Testemunha de Jeová, talvez porque eu ache que mesmo os aniversários cristãos são tão focados no aniversariante que beira a própria adoração. Já deve fazer pelo menos uns quatro anos que eu não faço nenhuma comemoração especial no meu aniversário. No máximo, usamos como uma boa desculpa para ir ao Outback, para encontrar uma costela divina.
No aniversário de ontem, foi um pastor neopentecostal bastante próximo da família do aniversariante. Eu já o vi várias vezes (na verdade, eu o conheço desde a minha adolescência) e como parte do evento, o pastor tomou a palavra. Ele agradeceu a presença dos amigos, engrandeceu o esforço de todos estarem lá (especialmente ele mesmo, já que no sábado estava chovendo muito) e fez duas citações, uma de algum poeta que ele não se preocupou de esclarecer e outra, supostamente bíblica, de acordo com o pastor, que ele também não se preocupou de dar a referência. Eu não estava prestando muita atenção, mas a Vivian percebeu algo errado. O dito pelo pastor foi o seguinte: “e a outra frase, essa bíblica, diz, ‘quem encontra um amigo, encontra um tesouro’”.
Na hora eu não percebi nada de errado porque o pastor começou a orar e em suas súplicas demandava que Deus estivesse presente na vida do aniversariante. Isso estava na verdade me deixando um pouco mais irritado porque não temos como pedir por algo que já temos. Deus é onipresente (Salmo 139:7-12), ou seja, ela já está em todos os lugares, mas para o Cristão, já somos morada do Espírito Santo (1 Coríntios 3:16), já estamos na presença de Deus por causa de Jesus Cristo (Hebreus 4:14-16). Ou seja, não faz sentido ficar pedindo a presença de Deus. Eu acho que quando um evangélico clama pela presença de Deus, ou ele não entende o que é estar na presença de Deus ou ele está pedindo outra coisa. Talvez uma mistura de ambos. Mas isso é assunto pra outro post.
Assim que a Vivian me chamou a atenção para o “texto bíblico”, começamos uma perseguição para encontrar a referência. Santo 3G do smartphone! Procuramos aqui, procuramos ali, nada de tal referencia. A festa terminou, e na volta pra casa a Vivian continuou procurando pelo texto perdido  (eu estava dirigindo e a lei e o bom senso ditam que não se deve procurar por textos bíblicos ou qualquer outro, ao volante de um carro). E ela encontrou a referência. Para nossa surpresa, o texto realmente está na Bíblia. O texto lê-se assim:
Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro.
O texto pode ser encontrado na sua Bíblia no livro de Eclesiástico, capítulo 6, versículo 14.
Você deve estar se perguntando se eu não errei o nome do livro, pois o correto é Eclesiastes. Não, eu não errei. É no livro de Eclesiástico, que fica logo depois de Sabedoria e antes de Isaías. Pode procurar na sua Bíblia. Eu espero...
Encontrou? Não? Eu encontrei. Mas na minha Bíblia das Edições Paulinas. Você pode encontrar também na Bíblia Ave Maria. Se você estiver usando uma Bíblia comum, logo após Cantares você terá Isaías. Mas a Igreja Católica, no Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, promulgou como canônicos vários livros que até aquela data só haviam sido considerados por concílios menores e nunca foram incluídos na lista de livros sagrados do judaísmo. Um dos principais motivos para inclusão desses livros pela Igreja Católica é que alguma das praticas católicas podem ser fundamentadas nessas passagens. Antes, apenas constavam com a autoridade eclesiástica e com o magistério como fonte de autoridade. Engraçado que a Igreja Católica não entende que as Escrituras sejam a única autoridade sobre a revelação de Deus (o Sola Scriptura protestante), mas tem uma lista de “autoridades”, como a tradição, o próprio Papa, mas ainda assim buscou colocar livros dentro da Bíblia para legitimar suas crenças.
Portanto, o querido pastor evangélico citou um texto de um livro deuterocanônico. Será que ele sabia disso? Será que ele sabia que a citação estava no livro de Eclesiástico? Se ele sabia disso, por que ele disse que estava na Bíblia? Será que ele sabe que existe uma diferença no número de livros entre uma Bíblia protestante e uma Bíblia Católica? Será que ele sabe que Eclesiástico é um livro deuterocanônico? Será que ele sabe o que é um livro deuterocanônico? E se sabe, será que ele os considera inspirado?
Todas essas são boas perguntas a serem feitas em nosso próximo encontro com o pastor, o que vai acontecer, já que as festas de aniversário em que ele está presente são muitas ao longo do ano. Seria interessante ouvir suas respostas. Mas eu também conheço a igreja onde ele se tornou pastor e sei que os pastores que são formados lá não apresentam nenhum treinamento teológico ou mesmo bíblico e o que os torna elegíveis para o pastorado são o carisma e a capacidade de liderança. Bíblia e teologia são detalhes. Quando for pregar, pegue um texto qualquer, de preferência motivacional ou moralizante e construa uma mensagem com alguma chamada para ação ao final. É assim que funciona. É assim que as ovelhas são alimentadas. Uma mensagem motivacional após a outra. Manejar bem a Palavra não é um foco daquela igreja (2 Timóteo 2:15). Quando eu vejo esse cenário, me pergunto se vale a pena questioná-lo sobre a citação deuterocanônica. Vai depender do meu humor no nosso próximo encontro.
Quando os ateus nos acusam de não conhecermos a Bíblia, muitas vezes eles estão certos. Não conhecemos. A maioria dos cristãos nunca leu toda a Bíblia. Gente com 5, 10, 20 anos de cristianismo. A maioria conhece um punhado de textos batidos, repetidos à exaustão, desprovidos de seu contexto, o que leva muitas vezes ao uso e ao abuso. Uma boa maioria não sabe nem ao menos se um livro está no Velho ou no Novo Testamento. Tem gente que acha que Maria Madalena foi uma prostituta ou uma mulher adúltera. Todo tipo de mitologia e superstição se adiciona à Bíblia pela falta de conhecimento daqueles que deveriam manejá-la bem.
Se esse já é um sintoma preocupante entre os leigos, imagine o horror quanto se torna sintomático entre pastores.
“Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus” (1 João 5:13).
Pena que o povo não está lendo o que foi escrito. Pena que os pastores não estão lendo o que foi escrito.

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Nas escrituras, tirar os sapatos tem um significado muito especial. Quando Moisés teve seu primeiro confronto com Deus, Ele disse para que ele tirasse seus sapatos porque ele estava em terra santa. Jesus caminhou descalço para o Calvário. Na cultura daquele tempo, estar descalço era o sinal que você era um escravo. Um escravo não tinha direitos. Jesus nos deu o exemplo supremo de renunciar tudo por um grande objetivo.
Loren Cunningham Making Jesus Lord / Marc 8:34,35

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